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sábado, 1 de outubro de 2011

Minimamente Feliz - Leila Ferreira



Minimamente Feliz
A felicidade é a soma das pequenas felicidades. Li essa frase num outdoor em Paris e soube, naquele momento, que meu conceito de felicidade tinha acabado de mudar. Eu já suspeitava que a felicidade com letras maiúsculas não existia, mas dava a ela o benefício da dúvida.
Afinal, desde que nos entendemos por gente aprendemos a sonhar com essa felicidade no superlativo. Mas ali, vendo aquele outdoor estrategicamente colocado no meio do meu caminho (que de certa forma coincidia com o meio da minha trajetória de vida), tive certeza de que a felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro.
Na vida real, o que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas. Um pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro que a gente não consegue fechar, um homem que nos faz sonhar, uma amiga que nos faz rir. São situações e momentos que vamos empilhando com o cuidado e a delicadeza que merecem alegrias de pequeno e médio porte e até grandes (ainda que fugazes) alegrias.
'Eu contabilizo tudo de bom que me aparece', sou adepta da felicidade homeopática. 'Se o zíper daquele vestido que eu adoro volta a fechar (ufa!) ou se pego um congestionamento muito menor do que eu esperava, tenho consciência de que são momentos de felicidade e vivo cada segundo.
Alguns crescem esperando a felicidade com maiúsculas e na primeira pessoa do plural: 'Eu me imaginava sempre com um homem lindo do lado, dizendo que me amava e me levando pra lugares mágicos Agora, se descobre que dá pra ser feliz no singular:
'Quando estou na estrada dirigindo e ouvindo as músicas que eu amo, é um momento de pura felicidade. Olho a paisagem, canto, sinto um bem-estar indescritível'.
Uma empresária que conheci recentemente me contou que estava falando e rindo sozinha quando o marido chegou em casa. Assustado, ele perguntou com quem ela estava conversando: 'Comigo mesma', respondeu. 'Adoro conversar com pessoas inteligentes'.
Criada para viver grandes momentos, grandes amores e aquela felicidade dos filmes, a empresária trocou os roteiros fantasiosos por prazeres mais simples e aprendeu duas lições básicas: que podemos viver momentos ótimos mesmo não estando acompanhadas e que não tem sentido esperar até que um fato mágico nos faça felizes.
Esperar para ser feliz, aliás, é um esporte que abandonei há tempos. E faz parte da minha 'dieta de felicidade' o uso moderadíssimo da palavra 'quando'.
Aquela história de 'quando eu ganhar na Mega Sena', 'quando eu me casar', 'quando tiver filhos', 'quando meus filhos crescerem', 'quando eu tiver um emprego fabuloso' ou 'quando encontrar um homem que me mereça', tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer esquecer da felicidade de hoje. Esperar o príncipe encantado, por exemplo, tem coisa mais sem sentido? Mesmo porque quase sempre os súditos são mais interessantes do que os príncipes; ou você acha que a Camilla Parker-Bowles está mais bem servida do que a Victoria Beckham?
Como tantos já disseram tantas vezes, aproveitem o momento, amigos. E quem for ruim de contas recorra à calculadora para ir somando as pequenas felicidades.
Podem até dizer que nos falta ambição, que essa soma de pequenas
alegrias é uma operação matemática muito modesta para os nossos tempos. Que digam.
Melhor ser minimamente feliz várias vezes por dia do que viver eternamente em compasso de espera.

Leila Ferreira, jornalista

Um comentário:

  1. Recebi esse texto abaixo como sendo seu. Realmente é?


    Posso Errar?
    Leila Ferreira

    Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu“errado”. Foi num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de ver que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem shopping num raio de 10 quilômetros.
    A única opção era usar o dois-em-um (xampu com efeito condicionador) do kit do hotel. Opção? Maneira de dizer.
    Meus cabelos, superoleosos, grudam só de ouvir a palavra “condicionador”. Mas fui em frente.
    Apliquei o produto cautelosamente, enxagüei, fiz a escova de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove vidros de xampu “certo” que deixei em casa costumam prometer para nem sempre cumprir.
    Foi aí que me dei conta do quanto a gente se esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou: certa por quê?
    O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa?
    Minha amiga se casou com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos. Levou um mês para descobrir que estava com o marido errado.
    Ele foi “certo” até colocar a aliança.
    O que faz surgir outra pergunta: certo até quando?
    Porque o certo de hoje pode se transformar no equívoco monumental de amanhã. Ou o contrário: existem homens que chegam com aquele jeito de “nada a ver”, vão ficando e, quando você se assusta, está casada — e feliz — com um deles.
    E as roupas?
    Quantos sábados você já passou num shopping procurando o vestido certo e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na hora de sair para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que está tudo errado?
    As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas talvez você se sentisse melhor com uma dose menor de perfeição.
    Eu mesma já fui para várias festas me sentindo fantasiada.
    Estava com a roupa “certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado mais parecida comigo mesma, nem que fosse para “errar”.
    Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos problemas de saúde, e ela me respondeu:
    “Eu sei que está errado, mas a gente tem que fazer alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem graça.
    O que eu queria mesmo era trair meu marido, mas isso eu não tenho coragem. Então eu fumo”.
    Sem entrar no mérito da questão — da traição ou do cigarro —, concordo que viver é, eventualmente, poder escorregar ou sair do tom.
    O mundo está cheio de regras, que vão desde nosso guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista de emprego, o vinho que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos torna parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá "status", a idade que devemos aparentar.
    Obedecer, ou acertar, sempre é fazer um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado.
    O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta: “Como assim?! Você não dirige?!”.
    Com toda a calma, ele responde: “Não, eu não dirijo.
    Também não boto ovo, não fabrico rádios — tem um punhado de coisas que eu não faço”.
    Não temos que fazer tudo que esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos.
    Como diz Sofia, agente de viagens que adora questionar regras:
    “Não sou obrigada a gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma vida sem carboidratos”.
    O certo ou o “certo” pode até ser bom.
    Mas às vezes merecemos aposentar régua e compasso.
    Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro "Mulheres – Por que será que elas..."

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